Maria Fernanda Amaral Santos 
24 de Março de 1938 - 15 de Agosto de 2011

Uma mãe adorável, uma filha dedicada, uma irmã, tia, prima e amiga acolhedora, a Mãe nos deixou às 9 da manhã do dia 15 de Agosto de 2011, em Penn, Buckinghamshire. Ela tinha 73 anos.

Ela deixou aqui o seu maior legado: que os seus filhos tenham uma vida feliz e realizada e sejam sempre orgulhosos das suas raízes, assim como ela era. Uma campeã para suas crianças e realizações, a Mãe constantemente se recordava de que ela era um produto da sua formação. Que enquanto a sua vida tomou diferentes rumos que outras pessoas talvez achariam desafiadores, ela se tornou mais forte por causa deles e passou a sua coragem para suas crianças. Ela nunca se esqueceu do lugar onde nasceu, ou das experiências que a fizeram aprender, e viveu a sua vida honrando-as.

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Nascida na pequena vila de Pussos, no centro de Portugal em 1938, ela era a mais velha de duas crianças, filhos de Palmira Amaral e Carlos Santos. Com quatro anos, quando a Europa se encontrada no meio da guerra, a sua pequena família viajou para Moçambique a fim de encontrar uma qualidade de vida melhor do que a terra reduzida à pobreza, a qual chamavam de pátria, tinha a oferecer.

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Crescendo no ambiente selvagem de um país bonito, em praias idílicas e cidades de avenidas extensas com árvores de jacarandás e flor-do-paraíso, a Mãe aprendeu a viver a vida com um espírito livre. Enquanto adolescente, ela lutou contra uma formação rigorosa, ao gozar de uma educação diversificada em Bremesdorp, Suazilândia. Foi nesse pequeno país no sul da África, onde ela descobriu o seu amor pela língua inglesa e pela palavra escrita. Já na maturidade, dizia-se uma estudante da vida, pois lia todo livro que encontrava sobre espiritualidade, poesia, arte, história, idiomas, e muitos outros.

A Mãe casou-se aos 25 anos. Em 1963, mudou-se para a África do Sul, onde teve quatro filhos. Seu segundo filho, Luis, nasceu com uma doença congénita e faleceu dois meses após o nascimento. A Mãe viveu muitos anos com a sua perda, culpando-se pela sua morte. Sofrendo depressão e ansiedade não diagnosticadas por muitos anos, ela manteve um ar de optimismo e bem-estar, não permitindo que os outros soubessem o quanto estava triste. Ao internalizar a morte de Luis, muitos anos se passaram até ela ficar em paz.

Em 1993, a Mãe terminou um casamento difícil que durou 29 anos, mudou-se para a Inglaterra com a sua filha mais nova, Ruth, para se unir a Guida, sua filha mais velha que já tinha feito de Londres o seu lar. Dentro de alguns anos, a elas juntaram-se Sarah e Chris, e a sua família estava unida uma vez mais. A Mãe teve que aprender a tornar-se independente novamente com 55 anos, adquirindo o seu primeiro trabalho remunerado em quase três décadas. Ela trabalhou como dactilógrafa para um jornal londrino e mudou-se para um apartamento só seu, começou a pagar contas, administrou suas próprias finanças, organizou seu próprio cronograma e conquistou seus próprios amigos. Finalmente, tornou-se a borboleta que ansiava se tornar por tantos anos e virou uma estudante da vida. Ela voltou a estudar, tornou-se conselheira, tradutora, artista e muito mais. Ela virou um verdadeiro espírito livre – a mulher que sempre encorajou as suas filhas a serem. E, na sua casa nova, longe de todos e tudo que conhecia, ela fez as pazes com a morte de seu filho, o fim do seu casamento e a sua nova posição na vida.

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A Mãe achou consolo e liberdade no seu trabalho artístico – uma saída para expressar seus sentimentos e pensamentos. Era uma forma de terapia, fosse em desenho, pintura ou escultura. Ela passava horas explorando o seu lado artístico, dando um pouco de si mesma a cada peça. Nos últimos estágios da sua doença, trouxe a ela consolo, e somos gratos aos funcionários da Marie Curie por guardarem os seus trabalhos para nós.

Produto de uma formação católica, a Mãe sempre acreditou que a fé tem muitos aspectos; enquanto o catolicismo era a sua religião, ele não é a única, e que outros credos deveriam ser respeitados. Ela passou anos explorando outras religiões e credos de modo a formar o seu próprio sistema de crenças. Alguns poderiam achar que ela reprovou como católica, mas para aqueles que a conheciam e a amavam, ela foi o ser humano mais espirituoso de todos. Ela acreditava em liberdade de expressão e espiritualidade, e que respeito tinha um lugar mais elevado do que opiniões no grande esquema do universo. Ela tinha mente aberta, sempre desafiando o pensamento repressivo dos outros.

A Mãe nos criou para termos mente aberta; sermos cidadãos da humanidade. Ela queria que tivéssemos liberdade para sermos o que quiséssemos. Esperava que fôssemos mulheres fortes e de respeito, boas amigas, e que quando momentos de fraqueza nos dominassem, conseguíssemos superá-los. Ao passar por momentos de fraqueza e desespero, a Guida foi a amiga que a Mãe mais buscou suporte – a sua filha mais velha e a que mais lhe deu a força e incentivo para seguir em frente. E quando a Mãe estava feliz, ela era realmente feliz. Foi a personificação da mãe orgulhosa quando a Sarah casou-se com o Chris, acolhendo-o em nossa família como o seu próprio filho. Ela ficou animadíssima quando a Guida comprou a sua primeira casa, e não podia conter o seu orgulho quando a Ruth foi promovida e transferida para os EUA. Enquanto esses podem ser momentos de pouca significância para alguns, para a Mãe eles foram algumas das suas maiores alegrias.

Como já mencionamos, os interesses da Mãe eram diversos e, muitas vezes, desgastantes! Ela amava Gaudí, tinha opiniões interessantes sobre a teoria das cordas, pensava que LL Cool J era motivo suficiente para assistir à série ‘NCIS: Los Angeles’, e que Tom Selleck era um deus, e que ninguém a contrariasse! A viajante do espaço frustrada, parte da sua personalidade, fazia ela assistir filmes de ficção científica com entusiasmo, tanto que ela era uma orgulhosa fã de ‘Star Trek’. Nós sempre ficamos secretamente agradecidos pelo facto dela não tentar falar o idioma Klingon, ou, ainda pior, criar o seu próprio teletransportador!

Apesar do amor pela ciência, a Mãe tinha um relacionamento de ‘amor versus ódio’ com a tecnologia. Ela adorava usar os seus iPhone e iPod. A Internet lhe trouxe um mundo novo, no qual ela navegava como se tivesse sido feito especialmente para ela. Procurar por um livro muito desejado, de segunda mão, no site do Amazon, a deixava eufórica. Por outro lado, a Microsoft era quase sempre considerada o território de ‘idiotas’ pois um de seus programas falhou em seguir a ‘forma lógica de fazer as coisas’. Manuais de instruções eram cuidadosamente despachados, a maioria sem ler, para a ‘gaveta dos manuais’. Qualquer coisa que a Mãe não conseguia deduzir do equipamento, era passado para as suas filhas, para o ‘suporte técnico’. Quaisquer sugestões de que o manual poderia ajudar, seria dispensada com um ‘tu sabes que eu não leio essas coisas!’ Quando nós removemos os seus pertences do apartamento, aquela gaveta trouxe risadas a um dia triste.

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Foram muitos os anos felizes em Londres, intercalados com momentos tristes. Em Abril de 2006, ainda se recuperando da perda da sua mãe no Dezembro anterior, a Mãe descobriu um tumor no seio direito. Ao ser diagnosticada com Estágio II de cancro da mama, ela começou a realmente lutar por sua vida. Por cinco anos e meio, ela lutou e sucedeu em remissão duas vezes. Apesar dos tratamentos agressivos, ela continuou a batalha, até quando estava claro que o cancro ia vencendo a guerra aos poucos. Ela continuou sorrindo durante os momentos de dor, e fez o seu melhor para radiar um sentimento de positividade pela vida, até mesmo durante os seus momentos mais sombrios. Ela deu força aos outros, quando ela mesma precisava de força.

Então, em uma manhã de verão de Segunda-feira, muitos anos antes do seu tempo, a Mãe decidiu não mais ser forte, e se libertar da dor. Em casa, cercada de seus filhos, ela deu o último suspiro e deixou a sua borboleta voar. 

Dois dias após a sua morte, nós quatro fomos até o seu apartamento em Londres e começamos a dolorosa missão de empacotar os seus pertences. Foi um dia muito emocionante, intercalado com rizadas enquanto descobríamos objectos inócuos que ela tinha guardado das suas viagens. Apesar de ter sido um dia emocionante, ele também foi catártico. Lembrou-nos que a força vem de muitos modos. A Mãe mostrava a sua força através de palavras, frequentemente marcando páginas em livros onde certas frases a fizeram pensar e lhe traziam coragem.

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Sempre preocupada com o meio ambiente, a Mãe sempre disse que não queria um caixão tradicional para o seu funeral, ou uma grande procissão ou cerimónia. Ao invés disso, ela queria uma caixa de papelão pois ‘as pessoas que são cremadas não precisam de toda aquela madeira...’ A Mãe era tão inocente de tantas formas, e nem tanto em outras! Tomamos uma decisão conjunta de que a caixa de papelão podia ser o que a Mãe queria, mas era difícil para nós vê-la dentro de uma. Então, ela foi cremada em um caixão ecológico de árvore de salgueiro, coberto com as flores que ela gostava e com muitas borboletas feitas a mão que nós cuidadosamente fizemos na noite anterior. Que ninguém jamais pense que nós não tentamos dar-lhe o último adeus em cores vibrantes!

O dia do funeral foi um dia de verão muito bonito, da forma como a Mãe teria gostado. Chegamos ao crematório vestindo cores vivas, pois ela insistiu que preto não seria permitido. Tudo bem, cedemos em relação ao caixão, mas não nas vestimentas! Com a melodia da música ‘Spirit Dreams’ de Tomas Walker ao fundo, a cerimónia terminou com Sarah e Chris bravamente dando o discurso fúnebre, que gostaríamos de dividir com vocês:

“Na estante de livros da Mãe, achamos o livro ‘Filhas e Mães’, marcado numa passagem de Patti Trentini:

“Ficar em casa em tempo integral é a minha escolha, e não é uma escolha fácil. Minhas filhas talvez nunca decidam se casar ou ter filhos, e essa é a escolha delas. Mas porque o seu filho não pode ser uma mãe, e as suas filhas podem e provavelmente serão, acredito que elas precisem saber que a vida é valiosa, é para ser respeitada e quando você respeita a vida e o seu lugar nela, então tudo mais acaba dando certo... Espero estar estabelecendo os alicerces agora para que minhas meninas tenham um futuro mais fácil – para que elas tenham escolhas. Acredito que os meninos nasçam sabendo disso. Mas acredito que seja preciso ensinar as meninas a escolher o seu caminho, a fazer dele o melhor que puderem, ou mudá-lo sempre que desejarem.”

Bem, Mamã tuas lições foram aprendidas – aqui estamos hoje, tuas filhas e seu filho, como testamento aos teus esforços.

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A Mãe era uma viajante e uma exploradora – ela morou na África e Europa e em cada oportunidade que tinha, visitou novos lugares. Mas foi na sua mente que ela realmente pairou – a sua curiosidade e sede de conhecimento levaram-na a explorar qualquer assunto que chamava sua atenção e essa exploração não tinha fronteiras. Ela encarava a sua vida como a de uma borboleta, que precisava passar por transições, algumas difíceis, para crescer como algo melhor, único e maravilhoso. Ela fez o seu melhor para encorajar as nossas transições, até mesmo quando algumas nos levaram para longe dela.

Recebemos muitos emails e telefonemas da família e amigos, todos com um tema recorrente – ela comoveu a todos de uma forma positiva e memorável, e a sua bondade trouxe conforto para essas pessoas.

A Mãe será lembrada por muitos por suas meias peculiares de tons fortes, pelo seu amor às borboletas, pelo sua bondade, respeito e por sua mentalidade aberta. 

Mamã, tu foste sempre fiel ao teu carácter, valores e viveste a tua vida corajosamente. Tu sacrificaste tanto por nós e nunca te queixaste, nunca lamentaste. Tu nos amaste incondicionalmente e abnegadamente dedicaste a tua vida a nós. Somos o que somos por tua causa. Tu vives em nós e em nossas acções por toda a nossa vida.

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Nas palavras de Helen Keller: “As coisas mais bonitas e melhores no mundo não podem ser vistas ou tocadas. Elas devem ser sentidas com o coração”.

Mamã, tu tocaste o coração de todos e não podemos pedir por mais nada nesse mundo.

Para nós, teus filhos, tu eras sempre a nossa fortaleza, e sentiremos saudades do teu amor, risos e humor malandro. Tu deixas um legado de esperança e memórias felizes. Ninguém é perfeito, mas tu chegaste perto de ser.

Descanse em paz, Mamã – estamos ansiosos para reiniciarmos a nossa jornada juntos desde já.”

Sentiremos saudades da Mãe para sempre, mas a borboleta continua viva, em todos nós, todos os dias.